sexta-feira, outubro 21, 2011

projecto de documentação.

TEASER #10

DIÁRIO DE BORDO
Life-Zone




©José Luís Neves, No Caminho [versão papparazzi], com Rogério Nuno Costa & Teresa Prima, Jardim Botânico (Lisboa, 2006).


“Man is most beautiful when he – like a child building a castle of sand at the shore – is completely possessed with what he is doing”.

[Karlheinz Stockhausen, 1968]


Conheci a Teresa Prima em Outubro de 2003. Nessa altura, o “Vou A Tua Casa” contava apenas três meses de existência. Era um projecto uno, com fim marcado para daí a uns meses; não lhe imaginava duas sequelas, nem projectos paralelos, nem edições retrospectivas, nem viagens ao estrangeiro. Estava em Torres Vedras, na condição de observador de um Festival de “artes contemporâneas em contextos locais”, incumbido de produzir textos sobre cada uma das propostas apresentadas (a Teresa era uma das artistas presentes, com o espectáculo “Segunda Casa”). Tendo assumido uma abordagem semi-criativa/semi-analítica ao meu acto de observação, decidi desafiar cada artista a embarcar numa espécie de entrevista “ao contrário”: eram eles a fazer as perguntas, e não eu. Foi, por isso, com uma dose considerável de embaraço que me dirigi até à janela da sala da Tuna Comercial Torreense, onde a Teresa me esperou após o espectáculo. Fez-me perguntas idênticas às que faria a qualquer espectador, sem prestar muita atenção ao facto de estar perante outro artista (a fazer as vezes de crítico) com o perverso intuito de ter que escrever a seguir. Gostei. Hoje, directamente do gravador de voz, recordo:


(1.) Qual é a sensação, ou o que é que te desperta ires ver um espectáculo e perceberes que ele não termina no local onde o vais ver, que tem mais dois projectos agregados a ele?;

(2.) Qual é a sensação de veres um espectáculo que acontece numa casa (tocas à campainha, entras numa sala…); o que é ser visitante?; [aqui desvenda-se quem sou, o que faço e a coincidência dos dois universos criativos; “Ah! És tu?” — risos];

(3.) Como é esta sensação de viagem, o facto de teres que ir à procura do espectáculo?;

(4.) Como é que lidas com as decisões dos outros espectadores, ou como é que tomas as tuas próprias decisões?”.


Bateu tudo muito certo: sorrimos de orelha a orelha e ficámos curiosos. No ano seguinte, sou eu o artista, é ela a espectadora. O projecto já é trilogia, e eu estou no mesmo Festival de Torres Vedras a apresentar o Lado A e a estrear o Lado B. Sem casa própria naquela cidade, a Teresa decide marcar um espectáculo no quarto do Hotel Império. No caderno de notas electrónico, escrevi: “Terá sido, provavelmente, um dos melhores Vou A Tua Casa que fiz, a vários níveis conceptuais e emocionais. Depois disto, a Teresa pediu-me ajuda para a sua performance; eu pedi-lhe ajuda para a minha”. Confirmação quase-cósmica: ficámos amigos. Correspondemo-nos, contaminámos os processos um do outro, observámo-nos. Em 2005, convidei-a para consultora do Lado C; em 2006 para colaboradora do Projecto de Documentação. E a Teresa arrastou com ela a Maria, aluna e performer que já me conhecia à distância do blog e que depressa se revelou o elemento terceiro (logo, criativo) em falta. Decidimos empreender, em performance, uma espécie de “vida especificamente vivida”, um encontro a-temporal e des-espacializado. A três. Por isso é que o conteúdo deste diário extravasa os limites do Projecto de Documentação, porque o que fizemos entre Novembro de 2006 e Janeiro de 2007 (no contexto da residência artística “Life-Zone”, em Torres Vedras), tem raízes passadas e vontades futuras que não queremos ignorar. Contar a história toda, desde o menos infinito que a origina ao mais infinito que a projecta, parece-nos o mais honesto. Por enquanto. À hora a que termino este texto, está a Teresa a chegar à cidade indiana de Bangalore, para onde foi estudar e aprofundar as matérias do seu trabalho durante um ano. A continuação desta nossa life-especificidade passará também por lá. Entretanto, vamos continuando a trocar vontades: eu, a Teresa e a Maria. Neste livro (em 8 partes) por fechar, ou noutro qualquer.

[Rogério Nuno Costa, Agosto 2007]



Mais um teaser que antecede a pré-publicação online e parcial de Vou A Tua Casa/Projecto de Documentação [livro e vídeo-documentário] num website que será disponibilizado hoje ao final do dia! A seguir!